quinta-feira, 9 de março de 2017

Estudantes podem morar em comunidades de idosos e em troca ajudam a cuidá-los

Por Mariza tavares


Vou começar a coluna brigando com as palavras. No Brasil, ficamos de cabelos arrepiados ao ouvir o termo asilo, que remete à imagem de um depósito de velhos. Já a expressão neutra, ou politicamente correta, é impessoal: instituição de longa permanência para idosos (ILPI no jargão dos que lidam com a questão). Prefiro comunidade de idosos, mas com uma missão: de que este seja um lugar estimulante e de convivência prazerosa. Uma fantasia? Algumas iniciativas bem sucedidas mostram que não. Em Cleveland, nos EUA, uma instituição dessas – que lá são chamadas de continuing care retirement community, ou seja, focando nos cuidados contínuos, e não na longa permanência – oferece vagas para alunos do Cleveland Institute of Music. Os estudantes não pagam aluguel e, em troca, são voluntários em eventos e regularmente fazem apresentação para os internos. Verdade que os idosos que vivem na Judson Manor, onde antes funcionava um hotel, têm um padrão de vida muito mais elevado que seus pares brasileiros. Há apartamentos para os moradores que conservam sua independência e que podem inclusive cozinhar, além de opções para quem precisa de atenção especial. Mas por que não podemos replicar a experiência aqui?

 

Na cidade de Deventer, a duas horas de Amsterdã, a Humanitas tem 160 idosos e hospeda seis universitários. Os estudantes também não pagam aluguel e, em troca, dedicam 30 horas por mês aos internos. Considerando que os jovens daquele país gastam, em média, 400 euros por mês de aluguel, é um ótimo negócio para eles. Os universitários empregam seu tempo ensinando novas habilidades para os mais velhos, principalmente na área de tecnologia: mandar e-mails, usar Skype e redes sociais. Preparam refeições e fazem compras, mas simplesmente bater papo é o que faz a diferença, já que estudos comprovam que a solidão está relacionada ao declínio mental. Interação social faz bem para a saúde em qualquer idade – começa com um bom dia, passando por rir de uma piada – mas a vivência intergeracional também enriquece os mais jovens. Desde que foi implantado, em 2012, o modelo da Humanitas foi adotado por mais duas entidades na Holanda e programa similar foi introduzido em Lyon, na França. Gea Sijpkes, responsável pela comunidade, resume o espírito do lugar: “a iniciativa melhorou a qualidade de vida nesta casa. Com os estudantes, os mais velhos sentem como se o mundo exterior chegasse a eles”.

 

O Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada) realizou, em 2011, o primeiro levantamento nacional sobre instituições para idosos. Dois terços delas estão concentradas no Sudeste, sendo que 34% em São Paulo, abrigando um total de 83 mil pessoas. A maior parte é composta de entidades filantrópicas e há apenas 218 asilos públicos, sendo que mais de 70% dos municípios não dispõem de qualquer serviço deste tipo. É inevitável que alguns idosos cheguem a um ponto em que não podem mais cuidar de si mesmos. A assistência numa comunidade de idosos é mais cara do que a oferecida na própria residência da pessoa – infelizmente, ficar em casa às vezes se torna inviável até por uma questão de segurança – mas é muito mais barata do que a assistência hospitalar. Resumo da ópera: o caminho que temos pela frente é bem longo.

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