sábado, 18 de março de 2017

Doutora pela USP, escritora, travesti, ex-candidata a vereadora e prostituta

Amara Moira, em seu livro "E se eu fosse puta", faz um relato autobiográfico de sua transição de gênero, onde conta também, um pouco das suas experiências como profissional do sexo nas ruas de Campinas.
“Demorei para me assumir, em parte por conta do medo de ter que me prostituir da forma mais violenta possível, com condições de trabalho complicadas”, explica, simpática, no apartamento onde vive na zona sul de São Paulo. “Quando comecei minha transição, começaram a me tratar como prostituta, é só dessa forma que as pessoas conseguem imaginar uma travesti.” Ela começou então a frequentar e se aproximar da comunidade das travestis e a entender que a prostituição poderia, também, ser uma escolha. “Escrever sobre isso foi tentar entender esse processo.” Agora, ela quer que seu relato seja um instrumento que ajude as pessoas a pensar sobre o que é a prostituição.
No livro - que tem tirinhas da cartunista Laerte e textos de colegas -, ela alterna relatos dos programas, especulações sobre as motivações e atitudes dos clientes, reflexões sobre sua militância no movimento LGBT e como essas atividades consolidam mudanças no seu próprio jeito de encarar a vida.
“Fico pensando que esse livro poderia ter alguma função positiva fazer com que a sociedade veja a travesti e a prostituta por olhos que a humanizem”, diz, esperançosa. “Isso já seria um ganho estupendo.”
Alguns de seus relatos dão conta de episódios de violência por parte dos clientes - como o homem que a forçou a fazer sexo oral nele sem preservativo - e as intermináveis e incômodas negociações do preço dos programas, que ficam entre R$ 10 e R$ 50, com algumas exceções. “O ‘não é não’ das feministas precisa urgentemente ganhar a zona, empoderar prostitutas. Aqui, ainda não ouviram nada a respeito disso”, garante.
Sua transição - o fato de assumir a identidade de mulher em um corpo que nasceu com a condição física masculina - ocorreu durante o seu doutorado, momento em que atingiu independência financeira. “Brinco que meu projeto era inútil e a universidade adora disso”, compara. “A universidade não gosta de coisas comprometidas com seu tempo, com transformação social. Isso me incomoda horrores. Como eu vou fazer com que as travestis apanhem menos da polícia e sejam menos excluídas da sociedade estudando a vírgula da página 58, da obra xyz? Não estou falando que Letras é inútil, mas, às vezes, o estudo se presta apenas à bolha criada ali dentro”, lamenta.

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